quarta-feira, 26 de março de 2014

Negão, um zagueiro requintado

Matéria de Edivaldo pereira Biguá e Tânia Biguá, página "Onde Anda Você?", do Jornal O Estado do Maranhão.

Francisco do Espírito Santo, por causa da cor, foi desde pequeno chamado de Negão. Quando começou a entrar para a adolescência, o apelido já tinha pegado, mesmo sem fazer jus à sua constituição física. Franzino, pouca mais de 1m60 de altura, 60 quilos, ao contrário do aumentativo, Negão demonstrava fragilidade. Mas como zagueiro de futebol de campo, deu mostras de coo ser viril sem precisar ter um corpo avantajado.

Ele nasceu na Maioba, em março de 1935. Quando veio morar na Rua Senador, João Pedro, no Canto da Fabril, com o padrinho Mundoca, batia bola no campo onde mais trade construíram o Estádio Nhozinho Santos. Vivendo a ilusão de criança, jogar descalço, com as bolas de pano dadas pelo seu Gonçalo, empregado na Fabril, era o máximo para a turma que tinha Kid, Peruzinho, Brecho e Fernando. Negão ficou conhecido nas peladas da Vila Passos ou na croa da Praia do Caju. Também passou pelo Tabocal e brilhou no Santos do radialista Jafé Mendes Nunes.

Torcedor do Moto, Negão se imaginava vestido com a camisa rubro-negra. O sonho começou a ser realizado quando Walber Penha, em 1953, levou-o para ser o ponta-esquerda do time juvenil. Ele era tão magro aos 18 anos que jogava com a camisa 11 da equipagem do time infantil. Depois que se sobressaiu, Negão passou a atrair a atenção de olheiros. Os primeiros a aparecerem foram Dr. Clóvis Viana e Badico, que terminaram levando-o para o Ferroviário em 1954. Negão era o primeiro jogador de futebol contratado fora do quadro de funcionários da REFFSA, Rede Ferroviária Federal S/A. Estreou com uma vitória por 6 a 1 contra o imbatível Palmeiras de Caxias, no Estádio Santa Izabel. No time estavam Juarez; Lobato, Carlito, Ademar e Rangel; Justino, Durvalino, Jerônimo, Rui, Domingos e ele. O Palmeiras tinha uma máquina composta por Carneiro; Enoc e Juvêncio; Lobinho, Jonas e Quadrado; Gunabara, Rodolfo, Cabelo Duro, Frango e Rato. O time venceu aqui em São Luis o Moto, MAC e Sampaio. Esses times, mais o Ferroviário, terminaram ficando com os jogadores caxienses após os amistosos.

Seleção Maranhense em 1962: em pé - Ribeiro, Bacabal, Negão, Omena, Gojoba e Português; agachados - Garrinchinha, Hamilton, Croinha, Chico e Jouber

O Ferrim começava a fazer uma equipe mais compacta, tirando os funcionários e contratando apenas atletas de peso. Negão tinha sua vaga garantida na ponta-esquerda. Somente em 1956 o técnico José Gonçalves da Silva, o Zequinha, pedi para ele quebrar um galho, substituindo o zagueiro do time. Sempre muito atencioso, atendeu ao pedido do treinador, mudando a história da sua carreira futebolística. Entrou e nunca mais saiu da posição. Com uma excelente impulsão, adquirida nos tempos da prática de atletismo no Liceu Maranhense, e domínio das bolas altas adquirido nos incansáveis treinamentos, se sobressaía também pela elegância com a qual conduzia a bola. Jogava como o lendário Ademir da Guia, do Palmeiras.

Os primeiros títulos conquistados por Negão foram o histórico bicampeonato de 1957/58 do Ferroviário. Quando o time foi desfeito, em 1959, ele se transferiu para o Maranhão Atlético Clube, ao lado de Zuza, Barrão, Laxinha e Ribeiro. Voltou a conquistar um título somente em 1963.

Com uma técnica de domínio de bola invejável, na zaga central chamava a atenção de olheiros de outros estados. Recebeu convites para jogar no Fortaleza e no Vasco da Gama. A paixão por São Luis, contudo, falou mais alto. Negão ainda fez parte de todas as Seleções Maranhenses, de 1956 a 1962, sempre como titular, exceto em 1962. Nesse ano, muitos pediam a entrada de Vadinho, o que terminou sendo acatado pelo técnico. Em um jogo disputado em Teresina contra a seleção local, Vadinho se machucou. Os comentários eram que o “Caboclo índio Flexador” havia tirado Vadinho. Quando o Sampaio Corrêa pediu Negão emprestado ao Ferroviário para que jogasse contra o Ceará, ele pôde dar o troco: entrou no lugar de Vadinho. “Nesse dia fiz a melhor partida de minha vida. Serviu como um desabafo, pois jamais torci para Vadinho se machucas em 62, como haviam comentado. Ele era um excelente zagueiro”, relembra Negão, em entrevista a um jornal. 

Seleção Maranhense em 1956: em pé - Gedeão Matos, Lourival, Cabelo Duro, Gimico e Negão; agachados - Peru, Moacir Bueno,Pedro Buna, Terr´viel, Walber Penha, Carapuça e Carioca (Massagista)

Na Seleção Maranhense de 1956, o treinador uruguaio Luis Comitante descobriu em Negão sua incrível capacidade de adaptação em qualquer sistema tático. Estava cheio de defensores natos: Terrível, Carapuça, Peruzinho, Quadrado, Peru, Moacir Bueno e tantos outros. Precisava bloquear os avanços dos laterais, principalmente de Geraldo, um cearense de uma incrível velocidade e que já naquele tempo assimilava o potencial dos atuais alas. Olhou o elenco de ponta a ponta e entregou a camisa 11 para Negão. Sua tarefa principal: não deixar jogar Geraldo e cruzar para a área, buscando Cabelo Duro, que cabeceava bem , ou Henrique, tampem eficiente nesse tipo de jogada. Negão cumpriu bem sua tarefa. Vencemos aqui e perdemos em Fortaleza, por obra e graça de duas figuras extraordinárias: o goleiro Vicente e o centroavante Pacoti. Um segurava todas as bolas que iam em direção à sua meta; o outro marcava os gols com incrível facilidade. Mas a verdadeira posição de Negão era a quarta-zaga, onde vivenciaria os seus melhores momentos.

Às vésperas de se formar em Economia pela Universidade Federal do Maranhão, Negão, já com 33 anos de idade, resolveu pendurar as chuteiras. Passou dos campos para ser um dos mais respeitados diretores de patrimônio da REFFSA.

Um comentário:

  1. Bigua e Tânia, foi com grande felicidade que li essa brilhante matéria feita por vocês. Me emocionei ao relembrar as história que ele contava para nós, os filhos. Seu maior legado foi a vida íntegra e a dedicação à família. De algum lugar do céu ele está nos escutando... Abraços e sucesso pelo trabalho

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