terça-feira, 26 de agosto de 2014

João Elias Mouchrek


Matéria de Edivaldo Pereira Biguá e Tânia Biguá, página "Onde Anda Você?", do Jornal O Estado do Maranhão, de 23 de Outubro de 2000

 João Mouchrek

Há cerca de dois anos estamos mantendo contado com o senhor João Elias Mouchrek, no intuito de colher dele informação sobre o esporte maranhense do passado e principalmente sobre a fundação do Moto Club de São Luís, entidade hoje voltada para a prática do futebol, que um grupo de amigos resolveu criar em 13 de Setembro de 1937, por conta do gosto pelo motociclismo. Enfim, nos recebeu. Contou um pouco de sua vida e do esporte. Além do motociclismo, praticou futebol, atletismo, basquetebol, boxe e voleibol. Doou muito tempo de si ao Moto. Aos 90 anos de idade, exercita-se todos os dias e acompanha tudo sobre as mais variadas modalidades esportivas nos canais de televisão. Na companhia dos filhos, netos e amigos, bebe cerveja, vinho e uísque. Tem consciência de que é uma referência para todo o clã Mouchrek.

O sobrenome de uma família simples oriunda do Líbano é respeitado em todo o Maranhão. As irmãs Benedita e Chames (tias-avós de João) construíram a história dos Mouchrek quando acreditaram no Brasil. Em 1880, no governo de Dom Pedro II, elas desembarcaram no Rio de Janeiro, esperançosas de construir um futuro. Foram aconselhadas a morar no Maranhão, capitania que estava em franco desenvolvimento. Apostaram em São Luís e, rapidamente, perceberam uma cidade promissora à vista, cheia de gente receptiva e amiga. Alojaram-se e dez anos depois tiveram condições de trazer para cá o irmão Elias (pai de João).

Assim que chegou a São Luís, Elias Mouchrek apaixonou-se pela libanesa Maria Francis, recém-chegada com ele. Casaram-se em 1901 e foram trabalhar no comércio da cidade vizinha de Teresina. A família cresceu com a chegada dos cinco filhos: Malvina, Miguel, Eduardo, Nagib e João. E como o dinheiro era farto, o casal foi matar a saudade do Líbano, aproveitando para mostrar as crianças.

Hoje, aos 90 anos, seu Mouchrek conta a virada do destino, que os forçou a continuar no Líbano mais tempo do que o previsto. “Papai estava cheio do dinheiro. Comprou uma casa nova para meus avós, fez festa e enaltecia o Brasil como uma terra que dava oportunidades aos estrangeiros. Tudo caminhava muitíssimo bem quando estourou a primeira grande Guerra Mundial (1914) e fomos obrigados a ficar por lá. A guerra terminou em 1918. Com mais dois anos de trabalho árduo, meu pai juntos dinheiro e retornou ao maranhão somente com Miguel, meu irmão mais velho dentre os homens”.

No final de 1920, seu Elias teve condições de trazer a mulher e outros quatro filhos de volta a São Luís. João estava com 10 anos de idade. Com o sangue para o comércio, como não poderia deixar de ser, acabou sendo matriculado na Academia Maranhense de Comércio.

Em 1922 viu nascer o Sampaio Corrêa Futebol Clube. “Os times maranhenses famosos da época eram Luso Brasileiro, Fênix, Tupan, Sírio Brasileiro, Fabril, Tupi e Santa Cruz. Existiam outro que não me recordo no momento”.

Em 1929 empregou-se como tesoureiro da Chames Aboud S/A Comércio e Indústria, que funcionava na Praia Grande, berço do comércio de São Luís. Admirava o Sírio Brasileiro, clube desfeito em 1929. “Um grupo dissidente fundou em 1932 o maranhão Atlético Clube”, relembra.

O jovem João Mouchrek sabia como ninguém trabalhar com dinheiro. Seguro, começou a poupar, conseguindo sua independência financeira. Comprou uma moto importada (não existia modelo nacional) e passou a fazer parte do grupo privilegiados que se exibiam e participavam de corridas pelas ruas calmas e tranquilas de São Luís. “A cidade parava para ver nossas disputas”. Eles saíam da Praça Gonçalves Dias rumo â Beira-Mar e outras ruas do Centro.

Os privilegiados motociclistas resolveram fundar um clube. Simão Félix, Jaime Pires Neves, os irmãos Nagib, Emílio e João Elias Mouchrek, Victor, José e Raimundo Serejo, os professores, Ambrósio e Newton Pavão, Alberto Aboud, Zé Mamá e João Lélis dos Santos (João Águia) reuniram-se no dia 23 de Setembro de 1937 para fazer o Moto Club de São Luís. Um ano depois foi criado o departamento de futebol. “Nessa época nos espelhamos no famoso time paulista do Palestra Itália (hoje S. E. Palmeiras) para fazer o nosso uniforme, também vede e branco. Os irmãos Alberto e César Aboud identificaram-se com o futebol. Foi César quem promoveu a mudança nas cores do clube. Ele trabalhava na Filial da Chames no Rio de Janeiro. Por ser flamenguista a sete costados, assim que retornou a São Luís, provocou uma Assembleia Geral e o Moto Club passou a ser vermelho e preto”, cores que prevalecem até hoje.

De 1938 a 1942 o Moto não conquistou nenhum título estadual de futebol. César Aboud resolveu em 1944 contratar o uruguaio Comitante para dirigir o Moto. “Ele iniciou a fantástica trajetória rubro-negra de levantar sete títulos estaduais seguidos (1944 a 1950) e mais o famoso título de Papão do Norte, quando abateu todos os adversários da região em 1947. Acho que é o único clube que alcançou esse feito no Norte/Nordeste do país”. Comitante contratou um time de craques de outros Estados, o que terminou sendo fundamental para a descoberta de talentos maranhenses.

João Mouchrek, além de fundador, foi goleiro do Moto. Como apreciador do esporte, praticou motociclismo, futebol, atletismo, basquete, boxe e voleibol. Desde 1932 mantém uma paixão fervorosa pelo Botafogo/RJ. Em 1958, antes de o Brasil conquistar o seu primeiro título mundial na Suécia, o Botafogo veio jogar em São Luís. Após o jogo, ele recepcionou os jogadores botafoguenses em sua residência. Como recordação desse encontro, guarda com carinho um cartão com o símbolo do Botafogo assinado por Nilton Santos, Garrincha, Didi, João Saldanha e outras feras ligadas ao clube carioca.

Nos anos de 1942/43 exerceu a presidência do Moto. Depois, virou uma espécie de tesoureiro permanente do clube. Hoje é conselheiro e único sócio fundador vivo do rubro-negro. Viu várias formações motenses vitoriosas. Relembra dos nomes que considera a melhor de todas, justamente aquela que tornou o Moto o “Papão do Norte”: Rui; Santiago e Carapuça; Sandoval, Frázio e Nascimento; Mosquito, Valentim, Galego, Pepê e Jaime. “Eles impunham respeito a qualquer adversário”.

Com certeza foi o início da nação rubro-negra, que até hoje faz ecoar pelos estádio os gritos de “viva” ao Moto Club de São Luís.

 João e familiares

 João e seus pais

 João Mouchrek em sua motocicleta

 João na motocicleta na Avenida Beira-Mar, em 1936

 João, esposa e filhos

 Formação do Moto Club, em 1946. Em pé: João Mouchrek, Rui, Merci, Gegeca, Pinheirense, Carapuça e Mourãozinho; Agachados: Batistão, Galego, Ênio Silva, Ananias e Dengoso


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